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Extraindo o máximo do futuro

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Crises costumam gerar subprodutos. É o caso dos estudos do futuro ou, no linguajar técnico, análises prospectivas. A demanda simplesmente explodiu. Governos, empresas, políticos, jogadores de futebol, médicos homeopatas – todos batem à nossa porta em busca de consultores que os ajudem a enxergar o que está por trás das aparências, a identificar o que, de fato, pode moldar o futuro de seus negócios. Dê uma olhada em nossos relatórios; estão repletos de “what comes next”, “seeing round corners” e “early warning systems for future shocks”. Em tempos nebulosos, nada disso soa como tolice. Mais que curiosidade, mais que preciosismo, é uma questão de sobrevivência.

Para nós, pesquisadores em Estratégia, a enxurrada de projetos e workshops que assola os recantos mais longínquos do planeta pode parecer uma oportunidade e tanto. Longe disso. Paira no ar um sentimento de que, quando a água baixar, muitos desses trabalhos pouco impacto terão na vida dos que neles investiram seu rico dinheirinho.

Há algo de errado – e muito errado – com esses estudos. Por que tantos gestores públicos e privados ignoram os sinais de alerta que surgem em seus cenários prospectivos? Na Europa, por que ministros da Economia insistem em subestimar os efeitos da melhoria na saúde e na expectativa de vida sobre a previdência, embora exaustivamente alardeados por renomados centros de conhecimento? Por que estratégias futuras de escolas e universidades desconsideram suas próprias pesquisas, que apontam para ensino personalizado, aceleração do aprendizado, mecanismos de elevação da capacidade cognitiva e dispositivos eletrônicos de memória? Por que empresas continuam a fingir que não enxergam o efeito devastador das mídias sociais, open innovation strategies, e crowdsourcing (perdão, ainda não há traduções à altura)? Por quê?

Muitas perguntas, uma só dúvida.

Uma das razões talvez seja que nós, consultores, embora falemos de 2015, 2020 ou 2030, tenhamos a tendência a desvalorizar parte de elementos que sejam radicalmente diferentes do presente. Isso é em especial verdadeiro quando estudamos o impacto de avanços na ciência e na tecnologia, mudanças estruturais nas estruturas de governança, novos modelos de negócios e alterações radicais em crenças e valores da sociedade. Que efeito perverso tem esta prática. O problema se auto-alimenta: ao desprezarmos o que é diferente, desprezamos o que é imperativo mudar. Como não somos doidos de pedra (ao menos de todo), há de haver motivos razoáveis.

Comecemos pelo mais fácil: jogar a culpa nos clientes. Lá no fundo, a sensação de impotência frente ao desconhecido (ainda que venham a se tornar conhecidos) incomoda muitos dos executivos com os quais lidamos. É duro considerar mudanças radicais. O sujeito que está acostumado com o “eu posso, eu mando, eu faço, eu aconteço”, embriagado com sua própria voz e atolado em seu próprio sucesso, dificilmente tem a habilidade (humildade talvez seja um termo forte demais) de reconhecer que sua estrutura cognitiva, experiência, feeling, genialidade e tudo mais poderão ser tão inúteis no futuro quanto hoje parecem ser, para outros, regras elementares de concordância gramatical.

Na prática, nem todos os profissionais em Estratégia temos a preocupação (e o conhecimento) de ajudar nossos clientes a enxergar a relação visceral entre os insights de longo-prazo e as decisões que estão ali, sobre a mesa, fitando-os com olhos de Pitbull. “Não basta o que tenho que enfrentar hoje para estar vivo amanhã?” – muitos pensam, poucos expressam. Assim como nós, gerentes não são loucos em afrontar acionistas ou eleitores.

Há também o tal do “vamos ser práticos”, mantra que os clientes aprendem ainda na maternidade. Aqui entre nós, é um pedido mais que justo. Afinal, quem tem tempo para gugu-dadá? No entanto, ceder inteiramente à pressão pode ser perigoso. Com freqüência pesquisadores e consultores em futuro exageramos nas concessões e acabamos sucumbindo ao lado negro da força. É preciso lutar. É preciso resistir em abandonar qualquer fenômeno que ameace o status quo e, paradoxalmente, se contentar em discutir apenas aspectos de curto-prazo. Nessa batalha, Darth Vader se dá bem. O final do estudo é invadido por uma constrangedora sensação de “e daí?”. O cliente, frustrado, sente que nada de novo aprendeu. E nós, supostos Jedi, cogitamos pedir asilo no programa do Chaves.

Em nome da honra dos consultores, é preciso dizer loud and clear: muitas das questões que hoje enfrentamos têm origem no excesso de foco no curto-prazo e no desprezo pelas tendências-chave que moldam o futuro. Não é qualquer visão de longo-prazo que pode iluminar as decisões do presente. É preciso que seja suficientemente robusta (e nós suficientemente competentes) para criar um senso real do que vem pela frente, deixar claro onde queremos chegar e, por fim, definir como mapear os sinais de hoje que nos conduzirão aos objetivos de longo-prazo, assim como se mapeia as pedras para chegar inteiro à outra margem do rio.

Estudar o futuro não é prevê-lo. Há anos temos comprado bolas de cristal que teimosamente insistem em não funcionar. Assim, só nos resta tratar de reduzir as incertezas e planejar como enfrentar as surpresas que sistemas complexos (no sentido matemático da expressão), mais cedo ou mais tarde, nos brindarão. Os métodos tradicionais de planejamento – regressões, análise fatorial e outros seres estranhos – podem ocultar pressupostos incompatíveis com a turbulência desses ambientes, como, por exemplo, admitir que o futuro será necessariamente mera extrapolação do passado. Pergunte aos bancos americanos o que eles acham disso. Pronuncie as palavras fax e e-mail para executivos de empresas de correio e espere sentado pelo sorriso. Estude como a Shell – caso clássico de sucesso no uso da Prospectiva Estratégica – lançou mão de seus estudos de futuro para pegar carona nos choques do petróleo e sair de uma obscura companhia de petróleo para se tornar uma das maiores do mundo.

A você, colega pesquisador, peço que não relaxe as hipóteses fundamentais do método. Com bom senso, resista. Se você não conseguir, por favor, com bom senso, desista. O estudo do futuro não é tarefa trivial.

A você, cliente, uma recomendação. Se sua análise prospectiva não melhora substancialmente a qualidade das decisões que você precisa tomar hoje, por favor, não a atire no lixo. Faça melhor: use o verso como rascunho. O planeta e os consultores em estratégia agradecem.

(Elaborado em conjunto com R. Talpar, London, UK.)


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